terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Rumo a novas contingências

Dizem que a dor do parto é uma das piores que o ser humano pode sentir, e por isso as mulheres seriam de algum forma programadas para esquecê-la, ou então nunca mais iam querer ter filhos. Sendo ou não verdade, algo semelhante parece acontecer com a organização de uma JAC. Todos os dias vemos lançamentos de eventos em sua primeira edição, mas ver um evento chegar na sexta é bastante raro, e entendo o porquê. Na organização da VI JAC Goiânia, senti que todas as contingências estavam operando contra: baixíssimo número de inscritos, choques com muitos eventos, uma apatia entristecedora de muita gente. O pensamento que tive no percurso me era familiar "chega, esta será a última JAC". Já falei isso em vários anos anteriores. Mas de alguma forma, a alegria do evento parece apagar a dor do processo para sua construção.

Tentando operacionalizar um pouco dessa "dor": um evento como nossa JAC leva mais de 6 meses de preparação. Nossa JAC é organizada por uma equipe de apenas cinco pessoas, então a divisão das tarefas não é branda. Não temos patrocínio, e tentamos cobrar uma inscrição barata - muito abaixo de praticamente qualquer outro evento acadêmico, de forma que o evento roda quase no vermelho, sendo o prejuízo dos próprios organizadores. Este ano não lidamos de forma passiva com a apatia: fomos às instituições divulgar, fizemos palestras promocionais, criamos estratégias de divulgação online, e até um jogo para promover o evento. O trabalho para fazer acontecer o que aconteceu nos dias 24 e 25 de novembro de 2017 foi altíssimo. Mas, mais uma vez, valeu a pena. Vou te contar como foi.

Diante dos vários obstáculos com os quais nos deparamos, senti necessidade de estender minha fala de abertura para comentar sobre problemas da realidade atual da Análise do Comportamento enquanto ciência e organização social. Você pode assistir esse discurso aqui:


Para conferência de abertura, convidamos João Vicente Marçal para falar um pouco de autoconhecimento e mudança, tema de interesse de todo psicólogo e, porque não, ser humano. O papel do psicólogo é identificar relações entre o comportamento do indivíduos e seu ambiente, mas o crescimento pessoal depende de que o próprio indivíduo tenha conhecimento dessas relações. Que relações são essas, e como promover isso?


Fizemos um intervalo de coffee break e venda das camisetas do evento. Que tal?


À noite, o público se dividiu entre cinco workshops separados em dois horários.
Em uma sala, eu (Nicolau Chaud) falei sobre saúde mental de estudantes universitários e qualidade de vida acadêmica. Na V JAC levantamos a seguinte pergunta: temos um auditório com centenas de analistas de comportamento cheios de gás, conhecimento e vontade de agir. Esse workshop foi uma tentativa de resposta: usar a Análise do Comportamento para atender uma demanda muito próxima de nós: o sofrimento de estudantes gerado pela vida acadêmica. Você pode ouvir um pouco mais sobre isso numa participação que tive no ACearáCAST. A proposta foi não só ajudar as pessoas presentes, mas instrumentalizar alunos e psicólogos para replicarem o trabalho em suas próprias instituições. Algumas parcerias já estão sendo feitas!


Em outro sala, Raquel Malaghetta nos convidou: Vamos falar de sexo? estratégias de abordagem clínica. É necessária muita habilidade para saber lidar com um tema ao mesmo tempo tão importante e cheio de tabus, e várias dessas habilidades foram treinadas nessa atividade!


No horário seguinte, Karine Nalini e Laura Coelho ensinaram terapeutas estratégias de como avaliar e intervir através de brincadeiras na clínica infantil, no workshop Ludoterapia comportamental: o brincar para avaliar. E a melhor maneira de aprender foi colocando a mão na massa!


Na sala ao lado, Izadora Perkoski nos fez uma introdução ao game design: usando a Análise do Comportamento para construir jogos. A interface entre essas áreas é extremamente rica e promissora, e nesta JAC tivemos tanto analistas do comportamento quanto game designers no público, e a troca foi bastante enriquecedora.


Por fim, Virginia Suassuna nos ensinou um pouco sobre o marketing pessoal do psicólogo. Convidar a fundadora de um dos maiores institutos de Gestalt-Terapia do Brasil para um evento de Análise do Comportamento gerou polêmica. Mas julgamos importante aprender uma habilidade que em nós é muito deficiente, e a Virginia domina bastante. Nessa atividade falou sem papas na língua sobre como ganhar dinheiro na Psicologia, valorizar o próprio trabalho, saber aproveitar oportunidades, e construir uma imagem compatível com o sucesso na profissão. Não adianta fazer um bom trabalho se não sabemos divulgá-lo.


O sábado de manhã começou com a fala de Márcio Borges Moreira sobre como balançar a sua cabeça e parafrasear o cliente podem arruinar a sua prática clínica. Após apresentar vários estudos que exemplificam esse problema, a questão levantada foi: nós cientistas do comportamento estamos deixando de lado um aspecto muito importante que deveria estar por trás de todas as nossas tomadas de decisão enquanto profissionais: dados! Como eu sei que aquela terapia que faço funciona? Como saber se não estou tratando de demandas clínicas que eu próprio estou criando?


Em seguida, Izadora Perkoski nos forneceu um panorama geral sobre a Psicologia dos Games. Muita gente se surpreendeu em saber o quanto temos a aprender com esse diálogo, mesmo aqueles que não têm o hábito de jogar. Esta é mais uma área com a qual a Análise do Comportamento tem muito o que contribuir e aprender, desde que saibamos criar pontes.


A manhã encerrou com um atendimento ao vivo conduzido por João Vicente Marçal. O momento foi construído com muito cuidado para que fosse o mais enriquecedor possível. O cliente nos surpreendeu ao contar sua história e suas dificuldades de forma rica, e o terapeuta soube conduzir a conversa de modo a explicitar suas análises e produzir autoconhecimento. Momentos assim são importantes para nossa formação - entrar em contato direto com exemplos de nossa atuação, não só falar sobre.


Contingenciamos a volta pontual participante com a venda das canecas exclusivas da JAC Goiânia.


A tarde começou com as apresentações da Sessão de Networking. Foi um espaço aberto para que alunos e profissionais pudessem falar um pouco do trabalho que vêm desenvolvendo em diversas áreas: projetos de pesquisa, casos clínicos, cursos oferecidos, intervenções na área da saúde, análises teóricas, oferta de serviços, e muitas outras coisas que caracterizam a riqueza da Análise do Comportamento. As apresentações foram rápidas, mas seu impacto grande. Muita gente saiu com ideias novas e contatos trocados.


Em seguida, foi feita a mesa de debate "Em casa de ferreiro, espero de pau: o ensino da Análise do Comportamento". A mesa foi composta por Cristiano Coelho, João Lucas Bernardy, Márcio Borges Moreira e Izadora Perkoski, mas a participação do público também foi ativa. Tentou-se responder perguntas como "por que não respeitamos princípios comportamentais básicos para ensinar Análise do Comportamento?", e "como seria um ensino da nossa ciência compatível com o conhecimento que temos?". A discussão levantou um olhar autocrítico e construtivo sobre essas questões, levando os presentes a refletir e repensar sua prática.


A atividade final foi o quarto BehaviorQuiz, um jogo de perguntas e respostas sobre Análise do Comportamento estilo auditório disputado por alunos de graduação. O jogo é uma forma lúdica de promover o estudo da nossa ciência. Este ano os times não foram divididos entre instituições, mas formados na hora, recebendo nomes despretensiosos: Power Rangers, Smurfs, Equipe Rocket e Ursinhos Carinhosos. Houve um pouco de hesitação para a composição dos times, mas o resultado final foi muito divertido, incluindo a surpreendente participação de um não-psicólogo que estava tendo seu primeiro contato com a Análise do Comportamento no evento e mandou muito bem no jogo! A disputa foi muito equilibrada, e terminou com a vitória da Equipe Rocket, composta pelos vencedores da edição anterior do BehaviorQuiz, alunos da UFG. O jogo encerrou o evento de forma emocionante e descontraída.

 

Passado o evento, a pergunta que mais ouço é: "E a próxima edição? Como vai ser?". Não tenho resposta para isso ainda. Prefiro deixar por conta das contingências, e dependendo de como operarem, pode ser que não haja uma próxima JAC Goiânia, ou pelo menos que não aconteça no ano que vem. Mas se as sementes que plantamos no evento derem frutos, muita coisa boa vem por aí. A VII JAC Goiânia será apenas uma delas.


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