domingo, 20 de outubro de 2013

Sim. O Behaviorismo Radical contribuiu muito com a Psicologia. E a contrapartida?

Na 2ª edição da Jornada de Análise do Comportamento de Goiânia, convidamos o professor Lorismario Simonassi, grande expoente dessa ciência em Goiás e no Brasil, para discutir de alguma forma o significado do aniversário de 100 anos de Behaviorismo. Infelizmente, por questões de saúde, não pôde comparecer ao evento, mas fez-se presente enviando aos participantes cópias do texto que preparou para sua fala naquele dia. O interesse foi grande, mas as cópias insuficientes. Pedi permissão para que postasse o texto na íntegra no blog do evento.



Sim. O Behaviorismo Radical contribuiu muito com a Psicologia. E a contrapartida?

Lorismario E. Simonassi

Você deve estar achando estranho o título desta palestra/conversa que nós vamos ter. Quando fui convidado pelo professor Nicolau Chaud ele me perguntou se eu podia falar sobre as “contribuições do Behaviorismo na Psicologia”. O professor contextualizou a fala sobre os 100 anos, neste ano de 2013, do manifesto escrito por Watson em 1913, chamado de “A psicologia como o behaviorista a vê”. Alguns dias após o aceite, ele me perguntou sobre um título possível, pois este deveria ser colocado no programa da JAC. Se você prestou atenção ao título, talvez, tenha observado que nele existem três palavras chaves, a saber, Behaviorismo, Radical e Psicologia.

Baseado nas palavras chaves e no que proponho com o título eu poderia dizer em uma sentença bem objetiva, que a contribuição do Behaviorismo Radical foi relativa ao objeto de estudo e ao método. Estaria terminando a palestra. No entanto, você poderia contra argumentar que “cada Psicologia tem o seu método e o seu objeto de estudo.” Eu perguntaria qual seria o método de estudo da psicologia e qual o objeto de estudo? Seguramente as respostas iriam variar.

Vou ser fiel ao título, mas vou falar sobre método e o objeto de estudo nesta ordem. Para efeitos didáticos, farei uma inversão de forma como naturalmente as “coisas” acontecem. A ordem natural dos acontecimentos científicos é que qualquer ciência das que nós conhecemos define primeiramente o seu objeto de estudo, como proposto por Marx e Hillix (1973) para posteriormente utilizar o método para estudo. Sem dúvida, você pode fazer o oposto sem prejuízo do avanço do conhecimento em questão.

O que é chamado de Behaviorismo Radical é o resultado de n acontecimentos relacionados a n pessoas. Duas das principais pessoas que contribuíram para o avanço do que hoje conhecemos como Análise do Comportamento foram Pavlov e Watson. A Análise do Comportamento é a ciência que dá sustentação à filosofia denominada Behaviorismo Radical.

Para ser fiel ao fundador da filosofia Behaviorismo Radical, o cientista B. F. Skinner, vou citar o que ele descreve nas páginas 164 e 165 do capítulo 12 intitulado “O Comportamento dos Organismos aos cinquenta anos”, (Skinner, 1989/2003).
“O famoso manifesto de Watson (1913) começa assim: “segundo o ponto de vista comportamentalista, a psicologia é um ramo puramente objetivo e experimental da ciência natural. Seu objetivo teórico é a predição e controle do comportamento.
Nesta época, um importante livro a ser lido por escritores era The Meaning of Meaning, de C. F. Odgen e I. A. Richards (1923). Bertrand Russel o resenhou para uma revista literária chamada Dial, que eu assinava, e numa nota de rodapé agradecia ao “Dr. Watson” cujo recente livro Behaviorism (1925) ele achara “deveras impressionante”. Comprei o livro de Watson e gostei do seu estilo de campanha.
Meu professor de biologia Hamilton College havia me apresentado a obra de Loeb, Comparative Physiology of the Brain and Comparative Psychology (1960), e depois seu The Organism as a Whole (1916); em Harvard eu fui para os laboratórios biológicos de Loeb – de quem Loeb dizia que tinha “ojeriza ao sistema nervoso”. Não acredito que eu tinha cunhado a expressão comportamentalismo radical; mas, quando me perguntaram sobre o que eu queria dizer com ela, eu sempre dizia: É A FILOSOFIA DE UMA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO TRATADA COMO OBJETO DE ESTUDO EM SI MESMO, SEPARADA DAS EXPLICAÇÕES INTERNAS, MENTAL OU FISIOLÓGICA.
Nessa época não havia muitos exemplos de predição e controle do comportamento em psicologia. Portanto, como expressão da vida mental, o comportamento estava, por definição, além do controle. A biologia oferecia algo melhor. Loeb tinha preferido o tropismo, o que era certamente um belo exemplo de controle, mas eu estava pouco interessado em descrever o comportamento como função de um campo de força. Os reflexos eram algo mais próximos daquilo que eu pretendia... a exemplo de Loeb, eu desejava estudar o comportamento do “organismo como um todo”.
Voltando às análises do método e do objeto de estudo, nos deparamos com a questão do conhecimento científico. Qualquer conhecimento que queiramos denominar científico tem que usar o método científico como instrumento para a obtenção dos dados. Sem dúvida, pode-se coletar dados usando-se outros métodos. O que não se pode é dizer que tal conhecimento que foi produzido é denominado de científico (Lucie, 1978).

Sem maiores delongas, o Behaviorismo Radical, ao optar pelo método científico ou experimental como instrumento para a coleta e análise de dados estava colocando a Psicologia “quase” em pé de igualdade com as demais ciências naturais. Seria importante que todos os alunos de psicologia lessem o capítulo 3 do livro do professor Baum, intitulado Público, privado, natural e fictício (Baum, 2006), para ter uma boa concepção do que é natural e o que é ficção em ciência. O “quase” acima é porque ainda faltava o objeto de estudo.

Poderíamos dizer como se disse inúmeras vezes erroneamente que a Análise do Comportamento estuda o comportamento. Mas não é bem assim. Sempre que me perguntam o que a análise do comportamento estuda eu digo simplesmente a palavra INTERAÇÃO. E faço-o de propósito para que o interlocutor me pergunte interação de quê ou coisa semelhante. Então eu digo “interação entre o comportamento e o meio ambiente”. (Todorov, 1989). Sem dúvida, é preciso explicitar qual é a definição de comportamento e de meio ambiente. Para não deixá-lo curioso demais e satisfeito também demais a ponto de não ler Todorov (2012) faço minhas as palavras do professor Todorov (2012). Ele escreveu: “A definição de comportamento como interação entre organismo e ambiente encontrada em publicações recentes é questionada. Interações entre comportamento e ambiente...” (Todorov, 2012) pode e deve indicar o caminho correto. Agora podemos citar pelo menos três grandes contribuições do Behaviorismo Radical, doravante chamado apenas de Behavorismo, pois os demais Behaviorismos e escolas não resistiram ao tempo, ou melhor, às críticas pertinentes conforme os critérios para exame crítico de teorias e modelos conforme Marx e Hillix (1973) propõem no Capítulo 3 do livro deles e que é intitulado de Sistemas e Teorias em Psicologia. As três grandes contribuições são:
  1. A psicologia hoje é respeitada como ciência natural.
  2. Possuiu um objeto de estudo que nos permite fazer predição e controle.
  3. Usa o único método das ciências naturais: o método científico ou experimental.
Se observamos detalhes de procedimentos que resultam em processos comportamentais complexos como, por exemplo, o tratamento do autismo, a lista acima pode ser muito maior. Aliás, sobre o autismo gostaria de fazer uma alusão a uma recente queixa feita por uma famosa psicanalista brasileira e que foi publicada na Folha de São Paulo. Eis a queixa:
“Sobre os métodos de tratamento, o que mais se vê em reportagens sobre o tema é o comportamental, com abordagens em torno de “dar independência” à criança, ensinar tarefas simples e “controlar a agressividade”. Raramente se fala sobre o tratamento ter como foco a criança e seu bem estar, simples assim”.
Abaixo está uma resposta em relação à argumentação psicanalítica. A resposta foi uma mensagem no próprio artigo. É de um pai que tem um filho autista. É certo que não se confirma absolutamente nada, em ciência, apenas com relatos verbais. De qualquer forma, segue o relato do pai:
“Como pai de um filho com autismo, lamento que alguns pais procurem a psicanálise para tratar os filhos. Perderão um tempo precioso de desenvolvimento da criança. E autismo não é doença!” (Folha de São Paulo da UOL do texto datado de 13/09/2013 pela psicanalista Nilde Jacob Parada Franch: Autismo e Psicanálise).
Se quiséssemos, poderíamos aumentar a lista com n técnicas para auxílio de tratamentos das mais diversas disfunções comportamentais. Outro bom exemplo é a recuperação e reintrodução social feita com uma pessoa do sexo feminino diagnosticada como esquizofrênica. Neste estudo, comportamentos verbais e não verbais bizarros foram modificados de tal forma que a pessoa hoje se encontra trabalhando como as demais pessoas de sua comunidade. Um dos comportamentos bizarros que não são mais emitidos é o de colocar o ouvido no vaso sanitário para escutar a voz de Deus e posteriormente fazer predições sobre a morte de outras pessoas (Ribeiro de Sousa, 2013).

Gostaria de voltar ao título da palestra, especialmente à segunda parte do título: E a contrapartida, ou seja, o que a psicologia ofereceu ao Behaviorismo? Sem dúvida, seríamos simplistas se ignorássemos as contribuições da Psicologia para o Behaviorismo. Vou apontar algumas:
  1. Abrigou o Behaviorismo como escola. Mas não fez mais do que a obrigação, pois abrigou várias outras escolas.
  2. Deu aos analistas do comportamento o direito de exercer a profissão de psicólogo e abrigou vários textos, teóricos e experimentais. Mas abrigou também aos demais profissionais psicólogos não Analistas do Comportamento.
  3. Oportunizou aos Analistas do Comportamento a criarem suas associações que em um futuro próximo, e muito antes do que eu sempre esperei, seremos uma ciência à parte da Psicologia. Talvez tenhamos uma ciência da Análise do Comportamento, que será, em um futuro mais distante, uma nova profissão. Creio ser esta a maior contrapartida da Psicologia com o Behaviorismo.
  4. Deixo para você, jovem esperançoso, apontar outras contribuições e contrapartidas. Mas gostaria de lhes lembrar do texto de Pavlov, denominado de Carta aos Jovens (http://sasico.com.br/psico/?p=387). Segue apenas um pequeníssimo trecho:
“...Aprendam o ABC da ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes... Como se alegra nossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão. No entanto ela, inevitavelmente, arrebenta e nada fica além da confusão...”
E para finalizar, permitam-me citar mais um trecho sobre o Behaviorismo, escrito por Rod Roediger (2005), um cognitivista confesso, então presidente da APA:
Permitam me sugerir uma maneira pela qual vocês podem celebrar o centenário de Skinner e descobrir a elegância e o poder das análises comportamentais. Cuidem do seu aprimoramento e leiam o livro Ciência e Comportamento Humano, escrito por Skinner há 50 anos atrás, que ainda é publicado. O livro tinha o propósito de introduzir o Behaviorismo e foi escrito com força e elegância. O Journal of the Experimental Analysis of Behavior publicou cinco artigos retrospectivos no seu exemplar de Novembro de 2003, intitulado “The Golden Anniversary of Skinner’s Science and Human Behavior”. (As bodas de ouro de Ciência e Comportamento Humano, de Skinner). Leiam o livro e celebrem o poder das análises comportamentais, mesmo se – e principalmente se – você for um daqueles psicólogos cognitivistas que acreditam que o Behaviorismo é irrelevante, obsoleto e/ou que está morto; ele não está.

Referências

Baum, W. B. (2006). Compreender o Behaviorismo. Tradução de M. T. Araujo Silva, M. Amélia Matos, G. Y. Tomanari e E. Z. Tourinho. Porto Alegre: ARTMED.
Lucie, P. (1978). A Gênese do Método Científico. Rio de Janeiro: Editora Campus.
Marx, M. H. W. A. e Hillix. (1973). Sistemas e Teorias em Psicologia. Tradução de Álvaro Cabral da 2ª Ed. São Paulo: Cultrix.
Ribeiro de Souza, N. (2013). Múltiplas condições de controle no comportamento de uma pessoa com diagnóstico de esquizofrenia em comunidade evangélica. Dissertação. PUC-Go, Goiânia.
Roediger, R. (2005). O que aconteceu com o Behaviorismo. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, Vol 1,(1), 1-6.
Skinner, B. F. (2003). Questões Recentes na Análise Comportamental. Tradução de Ana Liberalesso Neri da 2ª edição. São Paulo: Papirus.
Todorov, J. C. (1989). A psicologia como estudo das interações. Psicologia teoria e pesquisa, 5, 325-347.
Todorov, J. C. (2012). Sobre uma definição de comportamento. Perspectivas, vol 3, (1). Pp 32-37.
Watson, J. B. (1913). Psychology as the Behaviorist Views It. Psyclassics.yorku.ca/Watson/view.

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